Retrato com Guitarra (1997)

Retrato com Guitarra

SOL JURÁSSICO

Francisco Alvim

Retrato com Guitarra prolonga, talvez com gestualidade mais ampla, o livro que o antecede - Pescador de Nuvens. Cresce no empenho narrativo, o qual decorre do mesmo e intenso desejo de abarcar e sujigar a matéria vivenciada - no caso, as relações quase arquetípicas de uma família - reinventando-a para a poesia a partir da lembrança. O foco da memória é difuso: incide sobre os episódios vividos diretamente pelo poeta narrador ou no imaginário deste, nas biografias dos entes afetivos que cria.

Quem sabe os dois livros, ao elegerem a afetividade em família, possam ser considerados como parentes distantes do Marília de Dirceu, de Thomaz Antonio Gonzaga, e do Histórias do meu Casal, de Mário Pederneiras. Ressoa neles, e como ressoa, com força e delicadeza, a pastoral dos afetos. Ah, o moco Garcilaso...

El dulce lamentar de dos pastores

Só mesmo o olhar amoroso do filho, do irmão, do pai, do esposo para entrever a paisagem: a areia, o ar, o vidro, Recife, Brasília. A ventura e desventura humanas: tanta felicidade e no mesmo golpe, o desvalimento:

Coisas simples: a pedrinha /que a mão infantil explora,/
roucos gemidos do mar/
e o Sol que a pele acarinha./

Papai chama para viver/
nas manhas azuis de Olinda./
Pai e filho correm no deserto/
de areia molhada e fina./
Suspira a gaivota:/ "esquecer..."

Amor e perda.
Os idílios brilham, quais pedrinhas, sob o astro solar. Modulam, em vida e doçura, a voltagem do canto.

O Sol, contudo, é também o da perda, inumano e terrível em sua indiferença absoluta, que brilha e continuará brilhando para além de toda a vida e afeição humanas - jurássico.

Barcelona, 1997

Portrait with Guitar

JURASSIC SUN

By Francisco Alvim

Portrait with Guitar continues, maybe with broader gestures, the previous book, Fisher of Clouds. It gains in narrative effort, which follows the same and intense desire to contain and control the subject matter – in this case, the almost archetypical relations among the members of a family – reinventing it for poetry from memory. The focus of memory is diffused: it falls on the episodes that were lived directly by the poet narrator or on his imagination, on the biographies of the affective beings he creates.

The two books, one could say, when they chose affectivity inside the family as their theme, may be considered as distant relatives of Marilia de Dirceu, by Tomas Antonio Gonzaga, and of Historias do meu Casal, by Mario Pederneiras. In the two books resonate, and how it resonates, with courage and subtlety, the pastoral of affections. Ah, the young Garcilaso…

The sweet lament of two shepherds

Only the loving look of the son, the father, the husband can catch a glimpse of the landscape: the sand, the air, the glass, Recife, Brasilia. Human fortune and misfortune: such happiness and at the same time the helplessness:

Simple things: the pebble/
that a child’s hand explores,/
hoarse cries of the sea and the skin/
that the sun caresses./

Father calls him to live/
in the blue mornings of Olinda./
Father and son run in the desert/
of wet delicate sand./
The seagull sighs: “forget it all…”

Love and loss. The idylls shine, just like pebbles, under the sun star. They modulate – in life and sweetness – the voltage of the song.

The sun, however, is also the star of loss, inhuman and terrible in its absolute indifference, which shines and will continue shining beyond all human life and affection – Jurassic.

Barcelona, 1997

Translation by Davino Sena